O vivente preparava tranquilamente seu mate pela manhã quando de repente passa um vulto tão rápido, mas tão rápido que ele pensou ser um fantasma ou um bicho qualquer. Daqui a pouco o vulto passa esbaforido e nem tão rápido quanto antes, embora com a mesma pressa. Na segunda passagem Martinica reconhece o dito-cujo, mas na ânsia de perguntar o que estava acontecendo o vulto passa por ele e nem dá tempo de pensar na segunda pergunta, quanto mais pronunciar a primeira. Para completar não lembrava o nome do sujeito.
Passam-se 5 minutos, e então escuta um alvoroço, que parece ser perto dos fundos da sua casa. Franze a testa, ”antena” as orelhas para prestar melhor atenção e logo ouve uma convulsão de vozes: gritos, xingamentos, pedidos de silêncio e até um bater de panela. O que se consegue ouvir são palavras isoladas: sem-vergonha... figa... calma... explico... nunca... culpado... plá!... inocente...
Num girar de corpo lá se vai Martinica morro acima, vestindo pantufa, calça de pijama e um casaco que faz às vezes de um sobretudo por cima da camisa gasta do seu pijama favorito. Sai tão apressado que se esquece de trancar o portão. A esposa levantando-se da cama ainda tenta impedir sua saída, mas está tão concentrado nas outras palavras que não chega a ouvir as da mulher. Já estava com a cabeça e a atenção longe.
Os gritos vão aumentando e apontando uma direção. Ele coloca as mãos junto ao ouvido, como se formassem uma concha, e então reconhece a voz do vulto, que a esta altura já lembrara o nome, ou melhor, o apelido do corredor que há pouco passara pela frente de sua casa: era o Jamanta.
Quer correr, mas uma pontada no peito o impede, assim segue à sua velocidade de passos rápidos, porém curtos. Isso o angustia, pois tem pressa em poder ajudar o amigo de outrora, que prevê estar em situação de perigo. Vai chegando ao local, depois de atalhar por dentro da trilha que correra desde criança, e as vozes vão ficando mais claras:
- Eu te mato o safado!
- Mas eu não fiz nada, eu juro.
- Como assim não fez nada!? E as marcas de batom na gola da camisa?
- O que você fez com a minha filha, seu desgraçado!?
- Deixa eu expli...
Pleft! É o estalo de um tabefe.
Mais 5 passos e enfim Martinica rompe a mata e interrompe o imbróglio:
- Meu Deus! O que tá acontecendo? Por que tão batendo no Jamanta!?
A mãe de Valtério - vulgo Jamanta - olha o recém-chegado e diz:
- Deus o abençoe meu filho.
Enquanto Foguinho – o agressor – com fúria nos olhos pergunta: “Quem é o sujeito e o que está pensando para se meter em briga de família? Por que não se manda antes que sobre pra você também?”.
Martinica pede calma e diz que conhece o Jamanta desde os 15 anos, quando foram pro Jacuí trabalhar e que o amigo sempre fora sujeito direito e honesto. Não estavam eles cometendo um engano?
Foguinho – que também é cunhado do agredido – dá mais uma bofetada em Valtério e fala a Martinica (que a esta altura tomava a dianteira da conversa):
- Então quem sabe o senhor possa me explicar o que faz aquela marca de batom na gola da blusa deste safado...
O intruso diz que pode ter sido um abraço em uma amiga – já que Jamanta sempre fora tão simpático e querido por todos – talvez uma armadilha, mas que o melhor seria deixar o acusado se defender ou ao menos tentar se explicar.
Com estes argumentos os ânimos se acalmam e Foguinho deixa então que Valtério se explique. Este por sua vez, diz que realmente o amigo fora enviado por Deus e que havia acontecido exatamente aquilo: havia encontrado uma amiga das antigas e que haviam se abraçado, inclusive ela estava com o marido e os filhos. Desta forma a marca de batom só poderia ter sido causada por puro acidente mesmo, no momento do abraço.
A esposa de Valtério olha meio desconfiada para Martinica, e mais ainda para o marido. Mas nisso o primeiro já estava se dirigindo à sogra de Jamanta e dizendo que a panela que ela segurava nas mãos ao invés de servir para bater no genro poderia ser usada para o mocotó da reconciliação. Esta última palavra amolece os corações. Todos acreditam na versão de Jamanta e a paz assim volta ao lar. Martinica convidaria sua esposa para vir almoçar com todos e assim selarem a união do amigo e os familiares da mulher.
Já se encaminhando para casa, Jamanta chama o antigo companheiro e pergunta sussurrando:
- De onde você tirou aquela desculpa maravilhosa? Eu já estava quase me entregando. A culpa é daquela garçonete desgraçada lá do bar do Ademir. Ontem estava no balcão conversando com ele e tomando minha cervejinha, quando de repente me viro e ela também. Ambos estávamos de costas, então nos viramos ao mesmo tempo e derrubamos toda bandeja que ela carregava. Ela quase caindo segurou no meu braço, eu me desequilibrei e ela foi parar com a boca no meu pescoço. Foi puro acidente, mas quem ia acreditar nisso?
Martinica olha para o amigo e profere a seguinte frase:
- Por isso eu sempre digo: o culpado é o inocente!
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